A incrível marca dos 31 anos

Eu demorei um bom tempo para pensar nisso… Deixei passar os 30 batido. Sei lá se tinha algo para comemorar… Às vezes, tenho umas crises com a televisão. Em média, umas 200 por ano. A foto da minha carteira de trabalho, querendo ou não, me diz que cheguei a incrível marca dos 31 anos de audiovisual. Eu considero incrível, porque eu ainda me pergunto como não estou usando uma camisa de força.  É isso: 31 anos no ar, que foram completados no dia 16/09/23.

Eu comecei fazendo estágio na Rádio Bandeirantes AM (favor procurar no Google o que era rádio AM). Consegui a vaga no CIEE. A Sarah, que era diretora de RH da emissora naquele tempo, foi com a minha cara só porque eu estava carregando um livro. Era o Boca do Inferno, da Ana Miranda, biografia do poeta Gregório de Matos. A Sarah foi uma das primeiras pessoas que me ajudou. Sou muito grata a ela. Antes da palavra sororidade estar na moda, ela já estava lá praticando, não só comigo, como muitas outras mulheres. Ela me encaminhou para uma entrevista com o Paulinho Leite, uma lenda do rádio e que na época estava dirigindo a emissora. Também por conta do livro, eu fui contratada e comecei então a minha segunda faculdade… A primeira eu ganhei uma bolsa para estudar RTV na FAAP. Na época era bem diferente de hoje…

Foram 03 anos na rádio. Depois do primeiro ano, eu e a Fafilady, a pessoa mais delicada que conheço, fomos efetivadas como assistente de produção. Não que a gente já não fosse. A rádio estava crescendo, os Jogos Olímpicos de Barcelona se aproximavam e eu fui escalada para fazer a cobertura das Olimpíadas. Claro que na cobertura local. Recebia a escalação por fax (procura no google) e ficava de um lado para o outro, entre o esporte da TV e da Rádio, carregando fita e cartucho (procura no google).

Pelas leis do capitalismo, estagiário trabalha no fim de semana e nem pode reclamar… Assim, aos sábados, eu limpava a cozinha da Ofélia e aos domingos eu entregava ficha para o Bolinha no estúdio. Eu fiquei amiga das boletes e a gente almoçava juntas no mesmo refeitório, cujas janelas ficavam para o estacionamento, bem perto das viaturas da emissora… Cada carro que saía, o ar se enchia de fumaça de escapamento…

Na retrospectiva de 92 para 93, eu fiquei 3 dias na rádio, praticamente sem sair do estúdio, para fechar nove horas, em real time, de programação. Até hoje não posso ouvir a palavra “retrospectiva” que começo a tremer. Aqui, eu perdi uma boa oportunidade de mandar tudo à merda e ir vender a minha arte na praia. Fiquei. Tenho poucas certezas, mas retrospectiva é uma coisa que não quero fazer nunca mais…

Durante a cobertura dos Jogos, eu acompanhava o Álvaro José no estúdio, principalmente nas transmissões dos esportes individuais, ginástica, atletismo, patinação, etc. Ele é uma biblioteca ambulante do esporte. Para eu checar se o que ele estava falando era verdade, teria que consultar a Barsa… Sem condições. Com o tempo aprendi a perceber quando ele estava só contando uma história bonita, principalmente sobre o atletismo. Era muito bonito de se ver. Ainda hoje gosto de ver o Álvaro José comentando esporte… delicadeza e inteligência.

Outro momento que não esqueço, foi quando eu finalmente pude tirar férias. Tive que ir até a emissora para assinar uns documentos. Quando cheguei lá, estava todo mundo em polvorosa: a Daniela Perez tinha sido assassinada e o Collor tinha renunciado. Entrei no estúdio, saí no dia seguinte e, claro, minhas férias foram canceladas… No começo do ano de 93 fui escalada para fazer Rádio Escuta, na frequência da polícia. Noites e noites escutando, operante e positivo… Era isso ou ficar com a bunda congelando, vendo fantasmas no prédio do Deic que funcionava no antigo Dops. Não era legal. Eu trabalhava de madrugada para fechar o tradicional jornal, “Pulo do Gato” como assistente de redação do saudoso, Gualberto Curado. Foi aí que eu me transformei na assistente de produção que escrevia. O Zé Paulo começou a me mandar umas notas, para escrever, principalmente de polícia… Na rádio, não sofri assédio, mas na TV sim… Quando estava na central da rádio, eu trabalhava com mais ou menos 10 homens, tudo 40+. Foi nessa época que eu comecei a desenvolver o meu incrível dom de falar frases completas, com sentido, usando apenas palavrão. Me orgulho muito disso. Pra mim é quase uma poesia da libertação.   

Trabalhar de madrugada estava atrapalhando a faculdade, até que eu pedi para voltar para o horário normal. Foi aí que eu descobri que funciono muito melhor durante o dia. Voltei para o esporte para fazer transmissão, porque segundo consta, era onde “eu resolvia”.  Não esqueço da final, Palmeiras e Vitória de 93 no Morumbi, com narração do Fiori Gigliotti. Quem não se lembra da sua abertura icônica:  Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo, torcida brasileira… Ele me ensinou sobre a regra do impedimento. Quando entrei no futebol, eu não sabia de nada… Passava muita vergonha. A gente tinha que passar os resultados da rodada do Brasileirão para o estúdio. Eu tinha um amigo que trabalhava no Diário de São Paulo, e eles sempre recebiam os resultados antes. Na primeira vez em que liguei, ele começou me dando os resultados dos jogos de ida… e eu já estava para desligar, quando ele me perguntou:

- Você não vai querer os dos jogos de volta?

Um silêncio constrangedor na linha denunciou que eu não fazia a menor ideia do que era um jogo de volta… Ele me explicou…

Comemorei como um louca, o título do grande Alviverde, depois de 20 anos sem pôr a mão na taça. Odiava com todas as minhas forças fazer Fórmula 1. Não porque eu não gostava do esporte, gosto muito. Mas, só de pensar, a batata da minha perna dói, de tanto que eu andava de um lado para o outro no autódromo…

Queria ir para a TV e uma amiga me indicou na TV Record, que ainda era na Rua Miruna, para trabalhar como redatora do departamento comercial. Na época, a moda era ter uma “house” dentro da emissora. Assim, você fazia os seus próprios comerciais, sem precisar pagar agência e produtora. Olha que ideia genial, que tinha tudo para dar errado. Foi nos meus primeiros tempos na Record, que ganhei duas grandes amigas pra vida, Mafê e Clau Clau. Enquanto a gente fazia comercial das Facas Guinzo, Meias Vivarina, Ambervison e afins, a gente passava o verão e também o inverno em Ubatuba!!

Depois eu fui para a TV Manchete (é eu trabalhei na Manchete) onde me firmei no esporte e pós-graduação na arte de falar palavrão. Fui trabalhar na “Grande Jogada”, um programa apresentado por Osmar Santos, Odinei Silvestre, pelo saudoso Deva de Oliveira (ele faleceu no acidente de avião do Chapecoense), o Milton Neves, além da querida Débora Menezes. O programa ficava no ar sábado e domingo, ao vivo, o dia todo. Sábado até às 23hr, por conta do boxe, e domingo até o final do último jogo da rodada. Uma loucura.

Inicialmente eu entrei para fazer a produção do Canal 100 TV (dá um Google). O Canal 100 foi um icônico cinejornal que começou nos anos 50 e foi até os anos 2000. Alguns negativos foram revelados e os trechos passavam no programa. Milton Neves e os jogadores convidados, comentavam os lances e as histórias das partidas. Era bem bonito.  A minha maior glória foi ter levado o Fio Maravilha no programa. O Milton Neves duvidou que de mim. Foi uma das nossas maiores audiências.  Então fui mais uma vez transferida para a transmissão de jogos. Nem preciso dizer que era uma das poucas mulheres. Segundo consta, “eu resolvia”. Viaja quarta, voltava domingo, folgava segunda. Uma semana de folga. Transmissão do boxe no sábado. Eu trabalhei com o Sevilho de Oliveira, uma lenda do boxe brasileiro. Tirando peso pena, que não gosto mesmo. Com ele, eu entendi o porquê de o boxe ser chamado da grande arte do esporte. Eu trabalhava na Copa do Brasil… e se hoje já é tudo zoado, imagine nos anos 90. Com o acidente terrível do Osmar Santos, o programa acabou. Sai do esporte. O esporte é uma das coisas mais difíceis que já fiz na televisão brasileira. E é estranho, porque é puxado, mas é movido pela paixão… Sentimentos muito confusos. Nos 50 anos do Bola de Prata, fiz o roteiro do programa para ESPN. Revi grandes amigos, revivi essa emoção, foi bem legal… Eu também tive uma fase transmissão de show ao vivo… mas deixa prá lá. Eu nem sei se tudo o que eu estou falando tá na ordem certa… Tenho certeza que esqueci de um moente de coisas.

Passei a fazer freela de redação. Não lembro bem de tudo… fiz um monte de coisas para pagar os boletos. Mas, se tem uma coisa que me marcou, foi o institucional de meia hora sobre uma bomba d´água. Depois disso, eu me considero capaz de escrever qualquer coisa… Fui lá na Grécia Antiga…

Fiz uma série de documentário, com 10 episódios, chamada “Mesa Brasileira”, que conta a história do Brasil, através da alimentação. É um projeto lindo. Está disponível no Canal Curta!. Tem uma foto do Ricardo Miranda, o diretor. Ele foi montador do Glauber, e eu sua assistente/produtora/pesquisa/redatora. Viajamos quase o Brasil todo comendo. Não sei cozinhar, mas sei comer bem. Se tem um projeto do qual me orgulho na vida, é esse. Durante a viagem, eu li “Ensaio sobre a Cegueira”, lembro bem. Até hoje não vi o filme. Existem memórias afetivas nas quais não se mexe.

Belinha nasceu e não dava mais pra ficar viajando e trabalhando todo final de semana. Voltei a ser funcionária de emissora na Record, já na Barra Funda, para trabalhar como produtora de culinária no “Note e Anote”, e aí começou a minha longa carreira no mundo das variedades. Entre idas e vindas, e nem sei quantas demissões e contratações, fiz quase todos os programas de variedades da TV brasileira dos anos 90/2000. Na virada do milênio, tive a minha crise mais séria com a televisão. Cinco horas diárias ao vivo, Every fuck day, é para os fortes. Até hoje não posso ouvir o barulho do Nextel que tremo. Por falta de um, tinha 04.

Fui trabalhar no incrível mundo da internet, em um site de culinária chamado ‘Cyber Cook”, eu trabalhei bastante com comida.  Não sei cozinhar, mas sei comer bem. O sonho durou curtos 08 meses. Sentia falta do estúdio, da produção, daquela confusão dos infernos… O que posso fazer? Nasci com esse negócio estranho que é o amor pela televisão. Voltei de maneira triunfal… Tive que ir na Band pegar uns documentos meus que estavam lá, na hora do almoço. Hora de troca de cenário, chegada de caravana, programa ao vivo no ar… Aquele alvoroço. Chorei. Liguei para a minha mãe e ela me mandou largar a mão de ser chata e pedir um emprego… Foi o que eu fiz e aí me indicaram…

Fui chamada para ser coordenadora de conteúdo do programa “adulto”, chamado “Noite Afora”, uma lenda da televisão brasileira, apresentado pela Monique Evans. No cenário, ela ficava em uma cama redonda rosa. Tinha uma banheira rosa, que só dava problema. Tenho muitas histórias para contar. Mas, nenhuma delas permitidas para o horário.  

Desempregada, fui fazer um freela como assistente do Roberto Talma e de novo do Ricardo Miranda, em uma série educativa, que era um treinamento para os motoristas de caminhão de cargas perigosas. Entrei no incrível mundo dos caminhões… Nem eu sei explicar isso. Teoricamente, eu dirijo qualquer caminhão… teoricamente. Já que escrevi trocentos manuais de caminhão para a Mercedes e Ford. Boletos.

Mas, nem tudo são espinhos, depois disso, eu fiz o documentário “Caminhoneiros”, sobre a vida dos quase já extintos, caminhoneiros autônomos. Fomos selecionados para a 31ª Mostra de SP e eu fiquei feliz de andar uns 3000 mil quilômetros na boleia. Tipo uma Sula Miranda do audiovisual. Experimentei uma sensação estranha de ficar muito tempo na estrada, e depois de um tempo ir perdendo a conexão com as coisas, pessoas e lugares… meio que entendi aqueles que pegam um caminho e simplesmente começam a andar sem rumo. Não fiz isso…

Fui colaboradora no Mothern, série do GNT. Depois entrei no incrível mundo dos realities e de lá saí não mais … Fiz muitos, Surpenanny, Esquadrão Moda e Amor, Dez Anos Mais Jovens, Construindo um Sonho, Quem quer Casar com o Seu filho? (o pior de todos), A Liga, Pesadelo na Cozinha, A Liga Presídios… queria mesmo lembrar de todos…

A Vivi Viravento me salvou do estado em que fiquei quando terminei a série presídios… tinha me esquecido como era lidar como o crime… tinha me esquecido como era difícil ouvir certas coisas… algumas eu esqueci, a que ainda me assombra é: “eu gosto de matar com faca, para sentir a morte entrando”…Fiz outras cinco animações… eu amo fazer animação!! Eu viro criança, eu brinco, me divirto, falo igual aos personagens… Nem preciso dizer o tanto de gibi, grafic novel e animação que vejo.

Passei a ser freela total… trabalhei em um monte de projetos, institucionais, série… Entre as quais, a educativa “Residência Médica”, para o canal Medcel. Três temporadas para o estudo dos médicos para a prova de residência. Não julgo aqueles que entram na Santa Casa se dizendo doutores só porque assistiram Greys Anatomy, tantos documentários, e assim tem sido até hoje…

A Teleimage é o meu primeiro emprego fixo, depois de muito tempo, gosto muito de trabalhar lá, principalmente porque o projeto do desenvolvimento é realmente muito bom. Tenho aprendido muito e acho que toda essa jornada, me fez hoje ter uma visão do audiovisual estranha… no chão de fábrica, a gente aprende algumas coisas… O desenvolvimento, pra mim, é aquele momento em que a pessoa da relação tóxica, no caso a TV, pede desculpas, se ajoelha, diz que te ama, que não vai mais fazer isso, que agora tudo vai ficar bem…e você acha que o mundo vai ser cheio de amor… você acredita… aí vem a porrada e assim num ciclo infinito que eu pretendo repetir até os últimos dias da minha vida… Só tenho a agradecer aos muitos e grandes amigos que fiz ao longo do tempo! Graças a Deus muitos eu tomo cerveja até hoje!!

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